A regra foi acrescentada em 2010 pela Lei 2.249, e serve para evitar que o contribuinte abuse das solicitações de ressarcimento.
Ricardo Zeef Berezin
Duas
decisões judiciais distintas, uma do Tribunal Regional Federal da 4ª
Região e outra do da 3ª Região, acolheram a inconstitucionalidade dos
parágrafos 15 e 17 do artigo 74 da Lei 9.430/1996. Os dispositivos
preveem multa de 50% sobre valor de crédito fiscal requerido pelo
contribuinte como ressarcimento, quando o processo administrativo
pedindo a devolução é rejeitado pela Receita Federal.
A regra foi
acrescentada em 2010 pela Lei 2.249, e serve para evitar que o
contribuinte abuse das solicitações de ressarcimento. Segundo
tributaristas, no entanto, o problema é que tanto a empresa que age de
má-fé quanto a que acredita fazer um pedido legítimo são tratadas da
mesma forma, sendo, eventualmente, punidas.
"O problema é que nem
a própria Receita ou o Conselho de Contribuintes tem pacificado a
posição quanto ao que dá direito ao crédito e o que não dá", afirma a
advogada Priscila Dalcomuni, do escritório Martinelli Advocacia
Empresarial, que defendeu uma grande empresa de alimentos no TRF-4.
"Isso acaba criando uma situação de insegurança completa."
De
acordo com Priscila, a profusão de leis tributárias é outro agravante
importante. "Fizemos uma pesquisa e concluímos que, atualmente, temos
mais de 290 normas relativas só ao PIS e à Confins. É impossível
imaginar que o contribuinte, ao pedir o crédito, tenha o conhecimento de
todas elas."
Em primeira instância, o Mandado de segurança
impetrado foi negado. No TRF-4, porém, a desembargadora Luciane Amaral
Corrêa Münch o acolheu. "A determinação da multa, ainda que não obste
totalmente a realização do pedido de compensação, cria obstáculos, com
certeza, ao direito de petição do contribuinte", afirmou ao deferir
medida cautelar. "Diante da possibilidade de lhe ser aplicada a pena
pecuniária, produz justo receio, a ponto de desestimulá-lo a efetivar o
pedido da compensação a que teria direito."
Para a
desembargadora, os parágrafos questionados contrariam não só o artigo
5º, inciso XXXIV, da Constituição Federal - que garante o direito do
cidadão de fazer petição ao poder público - como também o princípio da
proporcionalidade, essencial para inibir os abusos do Estado. Nesse
ponto, citou decisão do desembargador Otávio Roberto Pamplona, também do
TRF-4, que trata da mesma lei. "As multas impostas se constituem em
excesso indevido, impedindo o livre exercício do direito fundamental de
petição."
Liminar parcial
A desembargadora Marli Ferreira,
do TRF-3, utilizou argumento semelhante em sua decisão, referente a
Mandado de Segurança coletivo impetrado pela Central Brasileira do Setor
de Serviços (Cebrasse). "Afigura-nos que a aplicação literal dos
dispositivos combatidos ofenderia frontalmente os princípios da
proporcionalidade e da razoabilidade", disse em despacho. "A uma, porque
não há que se falar em qualquer prejuízo ao Fisco quando do
indeferimento do pedido administrativo de restituição ou compensação
(...). A duas, porque a aplicação da multa de 50% revela uma
inadmissível sanção política em detrimento do cidadão que, de boa-fé,
procurou legitimamente defender interesses e direitos que supunha ter."
Marli,
entretanto, deferiu parcialmente a liminar pedida, pois entendeu que as
normas continuam valendo para casos de má-fé, ressaltou, nos quais
"deve ser assegurado o exercício do devido processo legal, do
contraditório e da ampla defesa" ao contribuinte.
Segundo o
advogado Percival Maricato, diretor Jurídico da Cebrasse, sem a ação, "a
ameaça criada pela lei persistiria, fazendo com que o Fisco não fosse
obrigado a analisar e satisfazer pretensões legítimas". Isso, segundo
ele, "reduziria a carga de trabalho e majoraria indevidamente a
arrecadação tributária."
Jurisprudência em formação
Como
destaca a advogada Priscila Dalcomuni, a decisão obtida por ela no TRF-4
deve guiar processos semelhantes na 4ª Região - o reconhecimento da
inconstitucionalidade dos parágrafos 15 e 17 do artigo 74. Mas só o
Supremo Tribunal Federal tem competência para anular os efeitos das
normas em todo território nacional. Nos casos dos dois tribunais
regionais ainda cabe recurso da Receita Federal.
Já há decisões
no STF na mesma linha dos dois TRFs. A desembargadora Marli Ferreira, do
TRF-3, lembrou, em seu voto, decisão do ministro Joaquim Barbosa na ADI
173, que declarou os artigos 1º e 2º da Lei 7.711/1998
inconstitucionais, em que reconheceu "violação do direito fundamental ao
livre acesso ao Poder Judiciário" e "caracterização de sanções
políticas, isto é, de normas enviesadas a constranger o contribuinte
(...) ao recolhimento do crédito tributário" - alegações semelhantes às
adotadas nas decisões em relação à Lei 9430/1996.
Fonte: Consultor Jurídico